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quarta-feira, dezembro 24, 2008

The Fall - Grotesque (After the Gramme) (Inglaterra - 1980)


Faixas:

01) Pay Your Rates – 2:58

02) English Scheme – 2:06

03) New Face in Hell – 5:40

04) C 'n' C-S Mithering – 7:36

05) The Container Drivers – 3:08

06) Impression of J. Temperance – 4:20

07) In the Park – 1:43

08) WMC-Blob 59 – 1:19

09) Gramme Friday – 3:19

10) The N.W.R.A – 9:14


Músicos:

Mark E. Smith / vocais, tapes , kazoo

Marc Riley / guitarra elétrica, teclados

Craig Scanlon / guitarra elétrica

Steve Hanley / baixo elétrico

Paul Hanley / bateria



Das bandas que compõem meu paideuma de excelência sônica, o Fall quiçá seja a de mais árdua decodificação; na ativa desde 1977, e com um catálogo de lançamentos de fazer inveja a Frank Zappa, o grupo de Mr. Smith (único integrante presente em todas as 'trocentas' mil formações da banda) já atravessou toda sorte de metamorfoses estilísticas, do punk abrasivo, caótico e tingido de paranóia industrialista característico de sua primeira e melhor fase entre 1977-1981; passando pelo post punk 'clássico' e incisivo do período intermediário com Brix Smith (1983-1988); acenos de garage rock sessentista em roupagem pós-moderna no primeiro lustro dos anos 90; até uma diluição de certo modo conscientemente paródica de suas matrizes estéticas a partir da metade da década de 90; é deveras complicado, portanto, traçar um perfil preciso da banda, que na verdade é o reflexo / transfiguração artística da personalidade e dos interesses em perpétua metamorfose de seu genial mentor.

Certamente boa parte do fascínio que o Fall exerce, é mister salientar, deve-se ao verdadeiro mito, à figura impagável que é Mark E. Smith. Dono de uma voz de alcance muito restrito, roufenha e um tanto quanto fanhosa, ‘agravada’ por um impenetrável sotaque northern english , Smith consegue de forma absolutamente brilhante reverter a seu favor suas diversas limitações; seu 'canto falado' é extremamente mordaz e desleixado, com uma cadência entediada e cínica, ideal para o assombroso festival de circunvoluções semióticas, labirínticos jogos de palavras, trocadilhos, portmanteau words, alusões políticas, assonâncias e aliterações que permeia suas letras.

O disco (o terceiro dos caras), onde o punk rock dadaísta de seus primeiros registros enfim terça vozes de forma definitiva com um hipnótico minimalismo de matriz teutônica, constitui, a meu ver, o ápice de sua trajetória, sintetizando à perfeição o que a banda sabe fazer de melhor. Assim sendo, temos peças memoráveis como Pay Your Rates, a clássica combustão punk de abertura, em compasso de crítica social na melhor tradição anarquista (Debtors' escape estate / Debtors' retreat estate / A no-motivation estate / Debtors' escape estate); New Face in Hell, onde o progressivo estranhamento melódico da canção conjuga-se com soberba precisão ao mergulho no inferno descrito na letra; C 'n' C-S Mithering, um dos mais vitriólicos ataques de Smith contra a indústria da música, emoldurada por tramas circulares de guitarras acústicas e uma atmosfera geral de delírio surreal; Impression of J. Temperance, austera colisão avant punk entre guitarras agônicas e ritmos assimétricos; Gramme Friday, claustrofóbica meditação sobre o cotidiano exasperante (The people I like live in kitchens and halls), onde temos um fascinante exercício de constraste formal entre uma solar batida rockabilly e brumas glaciais de guitarras superpostas, até a inquietante coda de nítido sabor psicodélico; e, por fim, encerrando em grande estilo este discaço, temos a antológica The N.W.R.A, imperturbavelmente desdobrando-se como ominosa hipnose motorik em mutação genética velvetiana, corrosiva epopéia político-existencial a refletir uma das maiores obsessões de Smith: a decadência socioeconômica do Norte da Inglaterra a partir da segunda metade do século XX, agravada sobremaneira pelo thatcherismo, e cujas possibilidades de regeneração nosso herói encara com amargo ceticismo (I'm Joe Totale / The yet unborn son / The North will rise again / Not in 10,000 years / Too many people cower to criminals / And government crap).

Enfim, meus filhos: divirtam-se com o peculiaríssimo universo do Fall; e como diria mestre Smith, You don't have to be strange to be strange / You don't have to be weird to be weird.