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sábado, junho 06, 2009

Your Arsenal



Ou como Morrissey mergulhou de cabeça no universo billy e transformou-se em ídolo no mundo inteiro.

Coleção

Morrissey
Your Arsenal (1992)

Provoçações nas letras e fotos deram o tom nervoso a Your Arsenal.

Desde o conturbado – e inesperado – fim dos Smiths, em agosto de 1987, Morrissey procurava reviver os melhores dias da carreira. Enquanto os fãs choravam debruçados sobre Strangeways, Here We Come (quarto e último álbum de estúdio, lançado quase dois meses após o vocalista confirmar em declaração ao New Musical Express o fim da banda), ele recrutava três de seus quatro ex-companheiros (o baixista Andy Rourke, o baterista Mike Joyce, o guitarrosta Craig Gannon) para sessões de gravação e os primeiros shows de sua carreira solo.

O futuro parecia promissor. Stephen Street, produtor de certeira mão pop, foi chamado para pilotar o primeiro álbum pós-Smiths. Em março de 1988, Viva Hate saiu. Nos créditos, uma mão do amigo e conterrâneo Vini Reilly (que nos anos 80 deliciava os ouvidos dos mais antenados com as texturas e colagens de seu projeto Durutti Column). Na manga, os desabafos de “Everyday Is Like Sunday” e “Suedehead”, ambos singles de extremo sucesso e até hoje cantados em uníssono em qualquer pista. Na seqüência, mais alguns compactos poderosos, como “November Spawned a Monster”, “Interesting Drug”, “Hairdresser On Fire” e “The Last Of The Famous International Playboys”, reunidos em 1990 na coletânea de lados A e B Bona Drag. Moz começava a carreira solo com pé direito. Parecia que o impossível estava concretizado: a horda de fãs arrebatados nos tempos dos Smiths nunca sentiria falta da parceria com Johnny Marr.

Cinco meses de Bona Drag, já em 1991, veio o segundo álbum de inéditas, Kill Uncle. Moz se enturmava com um novo parceiro, o guitarrista Mark E Nevin (da banda de folk pop Fairground Attraction, que anos obteve relativa projeção na Grã-Bretanha), e tentava explorar outras sonoridades que iam da influência glam do Roxy Music a orientalismos e baladas funéreas. O tiro saiu pela culatra. Apesar de bem recebido pelos exigentes críticos de sua terra no mês do lançamento, o álbum desapontou os fãs. Não teve boas vendagens, nem uma faixa sequer que despontasse como os singles anteriores.

Kill Uncle frustrou tanto as expectativas, que entraria para a história como o pior trabalho da vida de Morrissey. Mais: o fraco desempenho do disco acabou colocando em xeque a carreira. Para muitos, o vocalista estava acabado profissionalmente, incapaz de ressuscitar a antiga chama criativa. Para piorar, a letra da faixa “Asian Rut” – que tratava sobre discriminação racial – transformou-o em antagonista da imprensa. A má interpretação dos versos fez com que Moz virasse o alvo de constantes ataques dos jornalistas, que acusavam-no justamente de racista. Muito ferido e sem forças, o ídolo parecia estar definitivamente abatido. Tanto que abandonou a Inglaterra, para fixar residência de vez na cidade de Los Angeles.

Entretanto, logo entraria em ação a mão do destino para mudar tudo da água para o vinho. Durante parte da turnê americana de Kill Uncle Morrissey dividiu o palco com David Bowie, que apresentou-o ao guitarrista Mick Ronson. Mick havia tocado com Bowie na primeira metade dos anos 70. Era também guitarrista do Mott The Hopple, que estou naquela mesma época com o hit “All The Young Dudes”, balada composta por Bowie. Na adolescência, Moz idolatrava o glam rock. Estava fechado o circuito. Mesmo debilitado pelo câncer que o mataria em 1993, Ronson topou produzir o próximo disco do ex-líder dos Smiths.

Em julho de 1992 chegava às lojas o terceiro álbum solo de Morrisey, aquele que viria a ser o divisor de águas, capaz de deflagrar um novo culto à figura do cantor. Só que a adoração vista na Inglaterra no tempo dos Smiths passaria a se tornar mundial, inclusive no até então impenetrável mercado americano. A culpa não foi apenas da então ascensão do rock alternativo, que varria as paradas e os escritórios das grandes gravadoras. Morrissey descobriu na chicana Los Angeles um nicho que veio a complementar seu gosto e formação musical.

Moz descobriu o mundo billy. Seu gosto pela estética que marcou os anos 50 (topete, camiseta branca, o mito James Dean) encontrara – enfim – eco na música. Ao formar sua nova banda de apoio, recrutou o guitarrista Boz Boorer, o baixista Gary Day e o baterista Spencer Cobrin, todos músicos calejados em bandas já conhecidas no pequeno circuito [no Brasil, o gênero foi bastante cultuado em Curitiba e São Paulo]. Com a impossibilidade de contar com Nevin para compor mais de duas músicas, encontrou no segundo guitarrista, Alain Whyte, seu mais novo parceiro para composições – o suficiente para deixar ao longo dos anos mais um punhado de sucessos.

Your Arsenal representava, de cara, duas grandes mudanças para Morrissey. Era notória a força criativa do conjunto – pela primeira vez, desde o histórico The Queen Is Dead, Moz voltava a se sentir parte de uma banda unida e coesa. Isso acabou sendo traduzido em pegada selvagem e riffs capazes de conquistar já primeira audição. As letras também refletiam o estado de espírito do vocalista. Magoado com a hostilização britânica e impulsionado pela energia dos novos companheiros, ele construiu versos polêmicos, chegando a escancarar em três faixas sua revolta com o lado mais agressivo e autoritário (e menos conhecido) de seu país de origem. A provocação ainda se estendia às fotos de capa e contracapa (camisa aberta, peito nu, lingüinha de fora, microfone que sugere poder fálico) e ao título (duplo sentido que cita o nome do time de futebol mais popular do Campeonato Inglês e ainda deixa nas entrelinhas o palavrão “arse” – que em português possui apenas duas letras). Isso explica ser Your Arsenal o único álbum da carreira onde o encarte não traz a reprodução das letras – só não se sabe ainda se a decisão partiu do próprio artista ou de sua gravadora.

“You’re Gonna Need Someone On Your Side” abre o album. Faixa composta ainda no tempo de colaborações entre Moz e Nevin, ela foi totalmente revigorada pela nova banda. As guitarras de Whyte e Boorer transformaram a música em um pesado rockabilly (cujo riff faz referência ao famoso tema de Batman e a “Something Else”, de Eddie Cochran). A faixa está na abertura por questões estratégicas. Faz todo mundo esquecer o som insípido de Kill Uncle e ainda é um recado direto para seus detratores irem para “bem longe”. Durante quase toda a letra, Moz nos faz acreditar que o “someone else” de quem ele fala é uma terceira. Mas ele surpreende e emenda no final: “And here I am” (“E aqui estou eu”).

Logo em seguida, Moz apronta outra das suas. Engata uma levada glam-blues em “Glamorous Glue”, homenagem explícita a Mick Ronson, para iniciar sua relação de amor e ódio com a Inglaterra. “Tomamos conta de Los Angeles/ Por causa da linguagem que usamos/ Londres está morta”, declara, impiedosamente, citando a si mesmo. Há ainda outros versos provocativos, como “Tudo o que vale a pena no mundo está aqui”, “Não votaremos no Partido Conservador/ Porque nós nunca tivemos de fazer isso” e “Todo mundo mente, ninguém se importa”. Moz depois explicaria que compôs a letra pensando no fato de que tanto o rádio quanto a TV na Grã-Bretanha se importam muito com o que é feito no outro lado do Atlântico. “Tudo o que ocorre nos Estados Unidos é constantemente mostrado nos jornais ingleses, enquanto os americanos nunca se referem à Inglaterra e a política britânica é completamente nula para eles. Para mim, o país poderia explodir e desaparecer por completo que os jornalistas americanos não iriam sequer mencionar o fato”, explicaria Morrissey posteriormente.

A balada predominantemente acústica “We’ll Let You Know” (de singela guitarrinha jingle-jangle ao fundo) continua na mesma linha da faixa anterior. Desta vez o tema é o fanatismo violento dos torcedores de futebol e Moz adota como personagem um destes hooligans que destróem tudo e todos pela frente nos dias de jogos. Aqui o ponto de discórdia caiu sobre a frase “we are the last truly British people you’ll never know” (nós somos os últimos britânicos sinceros que vocês nunca conhecerão). Em entrevista para a revista Q, Moz explicaria a música dizendo que compreende os níveis de patriotismo, frustração e regozijo dos hooligans e que toda esta agressividade acaba tendo de ser extravazada de alguma maneira. “Desde que ninguém morra por causa disso, isso até que me diverte”, disparou. Para completar a confusão toda, a música acaba com sons de briga.

Em matéria de polêmica, porém, “The National Front Disco” superou as expectativas. Moz citava diretamente a mais racista das organizações de seu país (a National Front é o equivalente à americana Ku Klux Klan). Cantava o verso “England for the English” e, nos shows, ainda se enrolava na Union Jack (a bandeira britânica) durante a música. Todo este nacionalismo exacerbado, porém, nada mais era do que uma crítica ferina. Nessess versos, Moz fala sobre o garoto Davey e o desespero de uma mãe que “perde” seu filho para os ideais errôneos da NF. A ironia, contudo, não foi percebida e Morrissey voltou a ser alvo de furiosos ataques de leitores e articulistas nas páginas de diversos periódicos.

Não por coincidência, “Certain People I Know” sucede “The National Front Disco”. Aqui, durante a levadinha hillbilly, Morrissey parece estar cantando sobre a vida monótona de personagens classe-média. Mas também dá a entender que segue a linha “eu-amo-o-crime” que norteou algumas de suas obras (como a referência à prisão de Strangeways no título do último álbum dos Smiths ou em clássicos do grupo, como “Shoplifters Of The World Unite”). A faixa foi o terceiro single extraído de Your Arsenal e ainda homenageia outro dos ídolos glam de sua adolescência – o riff remete a “Ride Like A Swan”, hit de Marc Bolan e seu T-Rex.

“We Hate It When Our Friends Become Successful” foi o single que Morrissey precisava para levanter a carreira. Lançada três meses antes do álbum (estratégia comum no mercado britânico, para gerar expectativa nos fãs), a música levou-o de volta ao Top 20. Moz resgata sua veia cínica de outrora, brincando com a inveja alheia despertada por quem é bem-sucedido. O início é fenomenal (o nome da canção foi tirado do primeiro verso), o riff chama a atenção logo de cara e ele ainda solta uma inimaginável gargalhada “cantada” no meio da canção.

A peteca não cai com “You’re The One For Me, Fatty”. O sarcasmo continua afiado, ao fazer uma canção simplezinha (refrão-estrofe-refrão) girando em torno de um tema não muito comum nestes tempos de culto exagerado à silhueta corpórea. Pela primeira vez, os gorduchos recebiam uma declaração escancarada de amor – fato que levou Moz de volta ao Top 20 com o segundo single do álbum.

E Moz volta suas baterias novamente às suas neuroses em “Seasick, Yet Still Docked”. Com arranjo quase todo unplugged (baixo de pau, violão, dedilhado em guitarra semi-acústica, bateria reduzida ao rufar de pratos), a valsinha passeia entre a desesperança de achar o amor (“Wish I knew the way to reach the one I love/ There is no way”), intensa autodesaprovação (“But you see/ I’ve Got No Charm”) e autocompaixão (“All my life no one gave me everything/ No one has ever given me anything”). No final, porém, muda o discurso com um narcisismo bastante exagerado (“My love is as sharp as a needle in your eye/ You’d be such a fool/ To pass me by”). Obsessões românticas como estas angariaram uma extensa legião de fãs nos tempos de Smiths.

Mas Moz não é feito só de rock’n’roll. No seu background há espaço ainda para baladeiros fifities, aqueles que derretiam os corações femininos parados à frente do microfone, com voz empostada e pose de galã. Efeitos de troca de estações no dial do radio e samples de filmes em alemão dão a deixa para Morrissey viver momentos a la Johnnie Ray em “I Know It’s Gonna Happen Someday” (“My love/ Wherever you are/ Whatever you are/ Don’t lose faith/ I know it’s gonna happen someday/ To you/ (…) You say that the day just never arrives/ And it’s never seemed so far away/ Still I know it’s gonna happen someday/ To you/ Please wait”, adverte ele, reproduzindo os tons trágicos de muitas das canções daquela época. A faixa – que vem depois de “Seasick...” por ser em 6/4 – ainda seria regravada logo depois por Bowie.

Com um título emprestado de outras das paixões de Morrissey (no caso um hit gravado por Sandie Shaw em 1966), “Tomorrow” encerra o álbum com um questionamento (“does it have to come?”) e um pedido (“Tell me, tell me that you love me”). Sexualidade furtiva, frustrações, rejeição, doenças psicossomáticas... O bom e velho Morrissey está definitivamente de volta, desta vez sob nova embalagem – no caso, o invólucro billy de Whyte, Boorer, Day e Cobrin que surge depois da breve e dramática introdução em compasso ternário.

Your Arsenal ressuscitou a carreira de Morrissey. O sucesso foi tanto que a turnê do disco acabou gerando um álbum ao vivo (até agora o único na discografia solo), Beethoven Was Deaf, gravado em Paris três dias antes do Natal de 1992. Desde então, Morrissey nunca mais deixou de ser idolatrado em todo o mundo. Pelo contrário. Os fãs cotinuam seguindo de perto todos os passos do vocalista, mesmo durante o longo intervalo de sete anos sem lançar discos (You Are The Quary vem aí em maio, para encerrar com o jejum que existe desde Maladjusted, de 1997). O encontro do topetudo com os billies passou a escrever um novo capítulo de amor na história da música pop.



Ficha Técnica

Título: Your Arsenal
Artista: Morrissey
Data de lançamento: 28 de julho de 1992
Gravadora: Sire/Reprise (EUA); EMI (Brasil)
Produção: Mick Ronson

Faixas: “You’re Gonna Need Someone On Your Side”, “Glamorou Glue”, “We’ll Let You Know”, “The National Front Disco”, “Certain People I Know”, “We Hate It When Our Friends Become Successful”, “You’re The One For Me, Fatty”, “Seasick, Yet Still Docked”, “I Know It’s Gonna Happen Someday”, “Tomorrow”
Curiosidades: Este é o único álbum de Morrissey que não traz as letras reproduzidas no encarte. O motivo seriam os polêmicos versos de algumas canções. O contrataque de Morrissey à crítica e ao seus detratores na Inglaterra acabou gerando mais algumas acusações infuindadas de questionamentos raciais (por causa de letras como “The National Front Disco” e “Certain People I Know”. Este álbum marca ainda um período de mudanças na vida do artista. Ele fixa residência na chicana cidade Los Angeles, aproxima-se do mundo do rockabilly/psychobilly, inicia parceria com o guitarrista Alain Whyte e monta uma nova banda de apoio, com a qual se apresenta até hoje.

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

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segunda-feira, fevereiro 08, 2010  

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