Rockabilly Psicotico, garage bands, punk rock, bandas desconhecidas...

terça-feira, agosto 12, 2008


THE THE - SOUL MINING


A construção de uma obra-prima é na maioria das vezes inconsciente, mas ignorar uma obra-prima conscientemente é a maior estupidez a que se pode chegar no mundo das artes. E o mundo ignora há 23 anos uma obra-prima intitulada “Soul Mining”, criada por um só homem, Matt Johnson, sob a alcunha de The The, uma fina ironia à falta de criatividade reinante no batismo musical.
Este era apenas o segundo álbum da “banda” de um só homem, o sucessor do disco de estréia “Burning Blue Soul”, que já naquela época tinha sido alçado à condição de cult, ou seja, sobrevalorizado. “Soul Mining” começou com a produção em Nova Iorque daquela que viria a ser a Mona Lisa das sete pinturas presentes no álbum. A faixa “Uncertain Smile” até hoje me causa arrepios pela sua perfeição melódica indiscutível. Dos primeiros acordes ao fade out de um solo de piano contagiante, passando pela letra ora cantada de maneira suave, ora com uma determinação que certamente o moveu por toda a gravação desta faixa que se transformaria em um 12 polegadas histórico. Não há uma nota no lugar errado; não há um segundo a mais, nem um segundo a menos. É a perfeição em forma de música como poucas vezes se foi capaz de alcançar ou de se perceber.
A coesão deste álbum, que, incompreensivelmente, foi diminuído por alguns e esquecido por uma grande maioria. De “I’ve been waitin’for tomorrow (all of my life) até “Giant”, que é oficialmente a sétima e última faixa de “Soul Mining”, desfilam canções que nos falam da vida ou da sensação de nunca ter vivido como é o caso da faixa de abertura, que à frente do seu tempo já falava em ser “tomado por informações inúteis” e “vomitado de jornais e estações de rádio”. Em um diagnóstico certeiro ele chega à conclusão de que “minha mente foi poluída e minha energia diluída”. Ele se prepara para combater tal doença com uma bateria de pérolas pop que silenciosamente habitavam a cabeça de um só homem. Uns com tantos, outros com tão pouco. Injustiça? Não apenas o veredicto de que nem todos podem ser gênios.
“This is the day” é aquela música que se fosse comparado a um sonho seria daqueles que te faria abrir um sorriso inexplicável e misterioso no meio do sono. Finalmente o amanhã que se esperou por toda vida parece ter chegado. A letra, maravilhosa, fala de alguém que “não acordou porque não foi dormir” e com os olhos vermelhos conta os dias no calendário. Lendo algumas cartas antigas percebe o tanto que mudou e em um momento de pura nostalgia deseja que o dinheiro pudesse comprar aqueles dias de volta. Mas não é isso que ele quer e quando o dia entra percebe que “aquele é o dia em que sua vida, com certeza, irá mudar / aquele é o dia em que tudo será colocado no seu devido lugar”. Entre o futuro e as memórias do passado que “encaixam os momentos da sua vida... como cola”, ele tenta achar um meio termo para seguir em frente sem perder as raízes e referências que o tornaram o que é hoje.
“The Sinking Feeling” traz mais uma vez a guerra entre dois lados de uma mesma moeda. O passado imutável e o futuro incerto. Ele logo avisa “você não pode destruir seus problemas / destruindo a si mesmo / a morte não é resposta / a sua alma poderá queimar no inferno / minha memória, cara manipuladora / está transformando todo o meu passado em dor / enquanto estou sendo estuprado pelo progresso / o mundo de amanhã está aqui para ficar / eles não teriam nenhum outro jeito / sou apenas um sintoma da decadência moral / que está roendo no coração do país”.
“The Twilight Hour” fala de uma independência dependente. Ao se desligar e se libertar de todos e tudo ele deposita todas as suas esperanças e confiança em apenas uma pessoa. Incrível como letra, melodia e a voz de Johnson fazem dessa música um thriller musical. Você sente a tensão aumentar a medida que o telefone não toca, que ela não liga e que ele começa a entrar em desespero lembrando que “você desistiu de todos os seus amigos / você está confiando nela / para a sua independência”. O paradoxo por mais absurdo que possa parecer mostra sutilmente a natureza de sociabilidade do Homem, incapaz de viver solitário.
Lúgubre como uma tarde de inverno que se vai. Assim começa a faixa-título, “Soul Mining”, que continua a missão de Matt Jonhson de convencer aos mais incrédulos de que, por mais que não queiram admitir, estão sim diante de uma obra-prima. A faixa é o que o próprio nome diz “Mineração da Alma”. É o que ele faz do começo ao fim: escava as profundezas da alma, tira metais preciosos, peneirando por entre pedras sem valor algum. A desilusão do amor, a força arrasadora de uma rejeição. Será assim a alma de cada um de nós?
Em “Giant”, já na velhice, perto da morte em uma hora em que ele confessa “ter medo de Deus e do Inferno” percebe que quando olha o seu rosto não enxerga a si, mas aquele que tentou ser. No fim Matt se pergunta “como é que alguém pode me conhecer / quando nem mesmo eu me conheço?”.
A densidade lírica, a perfeição rítmica a obviedade do gênio incompreendido... Todos esses ingredientes estão presentes nos quase 42 minutos desse álbum. A edição americana traz ainda mais uma pérola de Johnson – “Perfect” - mas ele lutou por 20 anos para que essa faixa, lançada originalmente apenas como um single, fosse cortada. Ao acompanhar a letra fica óbvio que ela não faz parte de “Soul Mining”, uma obra densa e coesa tematicamente. Ele conseguiu o que queria e a faixa foi limada das edições mais recentes de “Soul Mining”. É como se restaurasse sua Mona Lisa, maculada por uma torpe figura que não fez mais do que acrescentar outra música inesquecível a outras sete. O nome da faixa? “Perfect”