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domingo, maio 27, 2007

Carne, café e espírito selvagem

Hasil Adskins


Hasil “The Haze” Adkins viveu até o dia 28 de abril em um trailer ao lado da mesma casa que nasceu e nunca abriu mão de tocar uma música apaixonada, agressiva e verdadeira. A causa de sua morte permanece desconhecida, mas ele deixou órfãos grupos como os Cramps, Demolition Doll Rods e Jon Spencer Blues Explosion. George Araújo desvenda o universo demente e fascinante deste intrigante senhor que mal sabia a sua idade.

A história é velha e todos já devem ter conhecido alguém na mesma situação: perdido em um quarto ou em um interior qualquer dos quintos dos infernos, está simplesmente uma pessoa genial e sem instrução alguma fazendo coisas inimagináveis a partir do nada. Essa pessoa improvisa, contorce e distorce o senso comum justamente por voltar ao básico da maneira mais boba possível. É aí que reside a sua genialidade.

Hasil Adkins foi essa pessoa. Nascido e criado nas colinas americanas de Madison, West Virginia, este senhor que mal sabia a própria idade [afirmava ter 67 anos, aproximadamente], condenou todas as almas que escutaram sua música à inquietação eterna. Compondo desde a década de 1950, sabia de cor mais de nove mil canções [apenas 25% eram covers!] e executava todas elas com fúria e paixão nunca vista antes no pretensioso showbiz americano.

Enquanto caçava galinhas e animais silvestres, Hasil se divertia em inventar as mais absurdas histórias envolvendo sexo, decapitação, danças esquisitas e órgãos governamentais. Todas essas histórias aliadas aos hormônios em fúria e rock’n’roll clássico transformaram-no em uma nervosa banda-de-um-homem-só – ele cantava, tocava violão, gaita e bateria simultaneamente.

Adkins traduziu sua realidade em música. Gemia e assobiava e rosnava até para quem não quisesse ouvir. Ele aparentemente não vivenciava as coisas com uma pessoa comum e conseguia partir da mais descabida alegria para um imenso mar azul e triste – isso gritava dentro dele. Seu grito foi tão forte que causou a metamorfose do manso rockabilly em um peçonhento e ultradivertido psychobilly, mas para isso foi necessário um tempo.

Foram quase duas décadas desde o lançamento de “My Baby Loves Me”, seu primeiro single, para conseguir algum reconhecimento. Nem mesmo Richard Nixon, presidente americano na época, escapou de receber algumas fitas. A obscuridade total durou até os Cramps gravarem uma versão para “She Said”. Essa música catapultou o adulto Hasil à condição de cult e fez com que um single feito em 1964 fosse confundido como uma produção do início dos anos 80. Na velha casa da colina, porém, nada mudou e Adkins ficava alheio ao que se passava. Foi preciso que dois fãs criassem um selo para gravar seu primeiro álbum.

Nasce um selvagem
The Wild Man foi gravado em 1984 e lançado dois anos depois pela Norton Records. O álbum traz baladas sangrentas como “Turn Off a Memory” e nervos expostos do naipe de “Chicken Flop”. Provavelmente o maior problema desse disco para o grande público era a execução das músicas. Levando-se em consideração que sua carreira até então tinha sido marcada por singles mal gravados [além de viciado em café, vodca e carne crua, Hasil Adkins tinha o péssimo hábito de não cuidar de seus registros originais], comercialmente ele fora um fracasso. Mas a pedra-fundamental havia sido lançada. Partindo deste ponto, Billy Miller e Mirian Linna [primeira baterista dos Cramps e co-fundadora da Norton] selecionaram diversas músicas compostas pelo Selvagem entre 1961 e 1976 para transformar em bolachas.

Então a história mostrou mais uma vez que é cíclica. Tal qual um certo Velvet Underground, poucos compraram os discos de Hasil, mas todos que o fizeram montaram uma banda. Daí para frente, as coisas foram acontecendo de tal maneira que ele abriu um show do Public Image Limited em Nova York, ainda em 1986. Os dados sobre sua discografia divergem, mas são creditados a ele 15 álbuns, 23 singles e dois EPs.

Sua selvageria e tristeza singraram os mares e invadiram corpos de jovens espalhados por todo o globo. Na Europa, pessoas que figuram o selo übercool Voodoo Rhythm realizaram um festival apenas com nadas-de-um-integrante-só. Tal festival contou com a presença do próprio Hasil Adkins mais Margaret Doll Rod, Rev. Beatman e DM Bob, entre outros.